quarta-feira, 1 de julho de 2009

Quando o dinheiro é da mulher

O que acontece quando ela é a provedora

Fotos Pedro Rubens

Sete meses atrás, a vida do casal André e Cristina Amato, de São Paulo, sofreu uma reviravolta inesperada. André, 45 anos, chegou em casa com a notícia de que tinha sido demitido do banco em que trabalhava havia quase duas décadas. Desde então, André e Cristina trocaram de papéis na rotina do casamento e inverteram a lógica convencional reservada, desde os tempos pré-históricos, a homens e mulheres. Com um salário equivalente a um terço do que ganhava o marido, e grávida de sete meses, Cristina, uma economista de 34 anos, tornou-se a provedora da família. André passou a dedicar-se a afazeres ainda vistos como tipicamente femininos, como cuidar da casa e dos filhos, um menino de 4 anos e um bebê de 5 meses de idade. "Nunca pensei que fosse viver uma situação semelhante", diz o ex-bancário. Depois do baque do aviso prévio e do abalo nas finanças, André e Cristina atravessaram uma fase reclusa de vida social. Agora, o marido passa parte de suas manhãs numa empresa de consultoria, onde aprende a recuperar a auto-estima, a melhorar os pontos fracos e a se comportar em entrevistas de emprego.

Não há estatísticas disponíveis no Brasil, mas existem sinais de que o casal Amato é personagem de uma transformação social silenciosa, que está redesenhando – talvez de forma definitiva – a natureza das relações familiares, a forma como homens e mulheres se relacionam e a própria imagem que cada um tem de si e de seu papel na sociedade. Certamente você conhece ou já ouviu falar de algum caso em que a mulher assumiu as rédeas do lar e é a principal – se não a única – fonte de renda da família. Em tempos de recessão, a tendência se torna mais perceptível por causa do aumento do desemprego. No decorrer de todo o ano de 2003, o índice de desemprego rondou os 12% nas seis principais regiões metropolitanas do país. Esse é um problema que atinge a ambos os sexos e que, na atual conjuntura nacional, pode ser considerado amplo, geral e irrestrito. Mas há vários indicadores de que os homens estão sendo mais afetados pelo pesadelo da falta de emprego que as mulheres, que driblam melhor a recessão. Em primeiro lugar, como as mulheres chegaram ao mercado de trabalho mais tarde que os homens, eles ainda formam a maioria da mão-de-obra e, portanto, são mais atingidos pelas ondas de corte e terceirização. Além disso, os setores em que as mulheres predominam, como educação e cosméticos, tradicionalmente sofrem menos com a recessão. Por último, embora a diferença salarial esteja caindo, os homens ainda ganham mais que as mulheres. Quando cortar custos se torna uma exigência, nada mais lógico do que extinguir cargos pelo topo.


O fenômeno da conversão de famílias a um novo matriarcado vai, porém, muito além das agruras econômicas conjunturais. Está relacionado também a uma mudança que vem fermentando há décadas e se reflete no fato de que nunca antes uma geração de mulheres esteve tão preparada para o mercado de trabalho. Atualmente, elas estão sendo contratadas em maior número que os homens, sobem mais rapidamente na carreira e chegam ao mercado de trabalho mais bem preparadas. Em 2001, o número de mulheres que concluíram o curso universitário foi 66% maior que o de homens. Na seleta fatia de executivas que ocupam cargos de diretoria e presidência, a excelência acadêmica das mulheres é ainda mais notável: 71% delas têm MBA. "A formação acadêmica deixou de ser uma complementação de educação e passou a ser encarada pelas mulheres como uma necessidade para a contratação profissional", diz a consultora Diana Mochcovitch, do Grupo Catho no Rio de Janeiro, empresa de consultoria em recursos humanos. Essa extraordinária ascensão feminina no mercado de trabalho não poderia deixar de ter conseqüências na organização familiar, com as mulheres também assumindo o papel de cabeça do lar. Nos EUA, onde essas mudanças costumam ser detectadas mais rapidamente, uma recente pesquisa do Bureau of Labor Statistics, uma espécie de Dieese americano, apontou que 5,6% dos casais têm uma mulher que trabalha e um homem que está em casa (no início dos anos 90, esse índice não chegava a 1%). Se forem considerados os casais em que as mulheres fornecem mais de 60% da renda familiar, esse porcentual chega a 11%.

No Brasil, um em cada quatro lares é chefiado pela mulher. O alto número de famílias lideradas por mães solteiras ou mulheres abandonadas pelo marido, sobretudo nos segmentos de renda mais baixa, explica essa proporção mais alta. A tendência da inversão de papéis no matrimônio, assim, acaba sendo mais sentida nas classes alta e média. Um levantamento da empresa carioca Perfil Consultores Executivos mostra que 33% das executivas ganham mais que o marido e 26% delas são consideradas cabeça do casal. Ou seja, são elas que administram o orçamento familiar e decidem até qual é o melhor investimento no banco.

Em sua maioria, os homens declaram-se envaidecidos com o sucesso profissional de sua parceira. Mas o homem colocar-se numa posição de inferioridade em relação a uma mulher no casamento é uma situação nova que, naturalmente, causa tensões e conflitos. Do lado feminino, a responsabilidade de sustentar a família é uma pressão para a qual elas não estavam preparadas. Para a maior parte dos homens, um abalo na imagem do macho provedor parece ser um choque ainda mais difícil de absorver. O embaraço para eles é maior se a dependência da mulher tiver sido provocada pelo desemprego. A falta de emprego vira um estigma, que pode provocar angústia e queda da auto-estima. A inversão de papéis pode causar problemas ainda mais delicados que a competição interna no casal. Sabe-se que as mulheres costumam considerar o potencial financeiro de um futuro candidato a marido. Se as expectativas não correspondem, é natural que o casamento passe por abalos até na vida sexual.

Na sociedade, por séculos e séculos, dinheiro, poder e status foram associados à figura masculina. Os especialistas e os dados indicam, porém, que o poder econômico das mulheres só tende a crescer. Adaptar-se a essa situação emergente vai exigir uma mudança de comportamento de homens e mulheres. "No século XXI, homens e mulheres vão ter de aprender a conviver com essa nova realidade, e isso vai exigir de ambos os sexos outras atitudes que contrariam valores profundamente enraizados e até instintos primários", diz o psicanalista carioca Joel Birman. Mulheres crescidas e educadas para viver num escritório e que carregam no DNA a vocação para o trabalho provavelmente terão de aprender a valorizar outras qualidades em um homem na hora de escolher o marido, como, por exemplo, sua habilidade e sensibilidade para cuidar dos filhos. Do lado dos homens, o potencial financeiro da mulher vai também subir, com certeza, no ranking dos atributos femininos mais apreciados. É aguardar para ver.

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