quarta-feira, 1 de julho de 2009

A vida com os enteados

O namorado da mulher com filhos
será uma referência masculina para
a criança, quer ele queira quer não

Oscar Cabral
Bruno Rego e a enteada Leo: programas juntos sem a mãe dela

Os manuais modernos adoram exaltar as qualidades da nova organização familiar: filhos de pais separados que voltam a se casar convivendo com uma notável rede de meios-irmãos, tios, padrastos e madrastas – sempre num clima de harmonia comovente. Mas a maioria dos textos, em geral escritos por psicólogos, esquece de dizer que a chegada a esse estágio de civilidade pode incluir uma série de turbulências. Conhecer o filho da namorada, por exemplo, é uma situação capaz de fazer um homem tremer. Os desafios começam justamente na fase inicial do relacionamento, quando as regras de convivência ainda estão sendo testadas. Não é nada agradável ter de sair da casa da namorada no meio da madrugada porque ela não quer que seu filho o veja acordando pela manhã. Se manter um relacionamento com uma mulher sem filhos já é difícil, o que dizer da relação que envolve uma criança?

Para os filhos, o "namorado da mamãe" é quase sempre visto como uma espécie de rival, uma ameaça ao amor materno. Daí por que muitos meninos e meninas reagem de maneira agressiva ou distante quando são apresentados ao "tio fulano". Quando eles são muito pequenos ou pós-adolescentes, a adaptação pode ser mais simples. Mas na faixa dos 7, 8 anos o processo de socialização torna-se mais trabalhoso. É quando a criança já conhece a sensação de perda e é incapaz de compreender que a mãe tem o direito de refazer a própria vida depois de se separar do "papai". O cineasta carioca Bruno Rego, 28 anos, cultiva uma fórmula eficiente para lidar com Leo, 6 anos, filha de sua namorada, a arquiteta Bárbara Filgueiras. "Penso no que eu gostaria que um estranho fizesse com meu filho. É tênue a linha que separa as coisas. Você deve ir às apresentações da escola se ela convidar, mas não é você quem deve colocá-la de castigo", diz. No começo, Leo oferecia certa resistência. Muitas vezes protagonizava cenas de ciúme, tais como se colocar entre ele e a mãe quando se beijavam. "Eu dei tempo ao tempo para que nós dois nos conhecêssemos melhor", conta. Pouco a pouco, foi entrando na rotina da menina. Indo a festas, buscando-a na escola e até mesmo a levando para passeios quando a mãe estava ausente.

Estudos mostram que uma nova família leva de dois a dez anos para se tornar unidade coesa. Mas as pessoas tendem a achar que tudo vai dar certo logo na primeira semana. O processo de adaptação requer tempo. Não basta acostumar-se com o estilo de vida da mãe e da criança. É preciso estar preparado para conviver com situações impensáveis, como lidar com pessoas fora do âmbito da família. Sabe-se que a presença do pai biológico pode causar insegurança em alguns homens, mas ela é necessária porque determina o espaço que o namorado vai ter na vida da criança. Se o pai é um sujeito que encrenca com o relacionamento da ex-mulher, é muito provável que queira boicotar o namorado. "São os adultos os responsáveis pelas diretrizes do que vai ser essa relação. A criança vai ser um reflexo do comportamento dos adultos envolvidos. Se eles agirem naturalmente, com o tempo a criança fará o mesmo", afirma a psicoterapeuta carioca Rosita Koschar.

Especialistas concordam que erra quem tenta impor o relacionamento à criança. É preciso ter claro que o casal (no caso, a mãe e seu novo namorado) mantém uma relação que pode ser vivida à parte, sem o envolvimento dos filhos do primeiro casamento dela. Isso significa, por exemplo, só ser apresentado à criança quando houver a certeza de que a relação vai vingar. "De outra maneira, pode ser um stress ainda maior. A criança pode se apegar a pessoas que logo vão significar muito pouco para a mãe. Isso aumenta o risco de ela se tornar mais arredia a um relacionamento seguinte", diz Rosana Rapizo, diretora do Instituto de Terapia de Família do Rio de Janeiro. Quando o namorado é um sujeito sem filhos, a tarefa parece ainda mais árdua, pois tudo para ele é novidade. O fato é que, de alguma maneira, o namorado da mãe vai acabar se tornando uma referência masculina para a formação da criança. Mas não mais do que isso. Não ouse assumi-la como filha. É preciso ter em mente que aquela criança tem um pai (ainda que ele seja ausente) e uma mãe e que são eles os responsáveis por sua educação. "Mesmo sem perceber, algumas mulheres acabam por esperar que seus parceiros assumam o papel de pai. Basta ver que uma mulher com filhos muitas vezes escolhe companheiros que jamais pensaria em ter quando estava solteira. Para uma mãe, gostar de crianças é condição imprescindível na hora de escolher um namorado", afirma Rosana. Nesse caso, o melhor a fazer é conversar com a parceira e descobrir qual é o papel que você está disposto a desempenhar nessa história.

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