quarta-feira, 1 de julho de 2009

VAIDADE MASCULINA

Olha o creme escondido na maleta

Apesar de consumirem produtos de beleza
como nunca, eles ainda têm vergonha
de
tratar do assunto
com os amigos

Pedro Rubens
A venda de produtos de beleza para homens já representa 45% do faturamento de algumas empresas

Duas forças de igual intensidade e direções contrárias orientam a relação dos homens com a beleza. Por um lado, eles já se convenceram de que precisam se cuidar – e as pesquisas mostram isso. Um levantamento feito pelo Instituto Gallup/Allergan revelou que 75% dos brasileiros se preocupam em melhorar a aparência. A maioria absoluta deles afirma que gostaria de aparentar idade menor que a real. De acordo com outro levantamento, realizado pela empresa de consultoria 2B Brasil Research, 78% dos homens consideram a obtenção de um corpo esbelto um objetivo a ser atingido. A noção de que a busca do belo é um desafio a ser alcançado é uma das forças que atuam sobre eles no campo da beleza. A outra força que age sobre os homens nessa área envolve a vergonha de assumir a vaidade em sua plenitude. É raro ver amigos discutindo sobre cremes na mesa do bar, como fazem as mulheres. É um assunto que ainda mexe com os brios de alguns machões. Em geral, homens que se cuidam o fazem com discrição. Na clínica Levitate, no Rio de Janeiro, alguns clientes com horário marcado para sessões de peeling e Botox costumam ligar para a recepção para se certificar de que não serão vistos sequer pelos funcionários. Na Io Personal Care for Men, em São Paulo, até o corte de cabelo é feito em salas privativas. "A maior parte dos homens teme ser estigmatizada apenas por cuidar da aparência", diz Marcos Rothenberg, dono da clínica.

Homens que recorrem ao Botox, entram no bisturi para atenuar um nariz adunco ou uma barriguinha saliente ou mesmo os que engrossam a fila dos consumidores de creminhos e hidratantes são cada vez mais comuns. Nos últimos dez anos, praticamente dobrou o número de homens que se submeteram a cirurgias plásticas no Brasil. As práticas mais usuais são a lipoaspiração nos pneuzinhos, a retirada de excesso de pele da pálpebra e a atenuação no narigão. Com as novas técnicas de cirurgia que dispensam a internação hospitalar e que demandam um tempo menor de recuperação, eles se sentem menos temerosos. "O fato de saber que um sujeito como o ator Murilo Benício operou o nariz também ajuda a quebrar tabus, pois faz com que os homens se sintam mais à vontade para seguir o exemplo", afirma o cirurgião plástico carioca José de Gervais, que tem 20% de homens em sua carteira de pacientes.

Claudio Rossi
O paulista Ricardo Pagotto: ele passa quatro cremes por dia no rosto e no corpo

A procura por cosméticos masculinos e por cirurgias começou com os gays, que sempre cuidaram da aparência. Os homossexuais costumam funcionar como precursores de algumas tendências mais tarde seguidas por heterossexuais. Raspar os pêlos do peito é uma delas. A recente explosão nas vendas de cosméticos masculinos, no entanto, é sustentada não pelos gays. Quem está aderindo agora é o sujeito que nunca se preocupou em lavar o cabelo com xampus especiais. Usava o sabonete mesmo. A maioria, inclusive, é de homens casados, e as recomendações sobre vaidade vêm da própria mulher ou namorada. A resistência dos mais renitentes em relação ao uso de cosméticos e da plástica baseia-se num preconceito cultural. Embora grande parte admita nas pesquisas que se preocupa com a aparência, muitos temem ser "confundidos". Em outras palavras, apavoram-se com a idéia de que, ao assumir a vaidade, estão revelando aos amigos que sua masculinidade também já não é a mesma. "O modelo tradicional de masculinidade está em crise, e a ele estão sendo incorporados outros valores, como a beleza. Isso não significa que o status e o dinheiro tenham perdido importância, apenas deixaram de ser os únicos pilares da masculinidade", analisa a antropóloga Mirian Goldenberg, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

"Vai doer muito?", perguntava o engenheiro carioca Marcelo Dadoorian, 36 anos, com uma nesga de pavor no rosto. Sentado na cadeira da dermatologista, ele aguardava com um olho aberto e outro fechado as nove picadas que dariam fim às profundas linhas horizontais que lhe cortavam a testa de um lado ao outro. Apesar do medo, ele estava decidido. "Não é só vaidade. Isso me deixa com uma aparência cansada e séria. Faz parecer que sou mais velho e chato do que sou", diz. Dadoorian desembolsou 800 reais por uma aplicação de Botox, com validade de seis meses, para aliviar o peso da idade. Apenas uma amiga notou o resultado, mas ele acha que está muito diferente. "Sou outra pessoa", diz.

Em busca dessa "outra pessoa", gigantes da indústria de cosméticos não param de lançar linhas específicas para a pele masculina. Há desde cremes para combater rugas e olheiras até um para queimar a gordura localizada no abdômen. A maioria é do tipo gel, uma característica fundamental para agradar ao gosto masculino. "O homem não gosta de se sentir lambuzado. Ele quer passar o creme e senti-lo penetrar na pele imediatamente", afirma a dermatologista Eliane Sênos, da Clínica Dermatológica da Barra, no Rio. Estima-se que só no ano passado os produtos para a pele do homem tenham vendido cerca de 200 milhões de reais no Brasil. Ainda é um porcentual tímido se comparado aos números da fatia feminina, cinco vezes maior. Mas os executivos da indústria de cosméticos estão animados. Eles projetam um crescimento de 15% ao ano, contra apenas 3% do segmento de produtos femininos. "É um mercado em ascensão. O público masculino tem tido grande importância na consolidação de nossa marca no país. As vendas já correspondem a 45% de todo o faturamento", diz Cinthia Marino, gerente de marketing da Biotherm.

Para o cidadão que apostava em sucesso na profissão e numa aparência apenas decente para cair no agrado feminino, pode ser chocante descobrir como elas passaram a valorizar o visual masculino. A independência feminina trouxe, entre outras conquistas, a exigência de parceiros apresentáveis. O quesito conta bancária do pretendente perdeu espaço para itens como inteligência, bom humor e, evidentemente, boa aparência. "Homem tem de estar bem vestido e ser cheiroso. Eu me arrumo, me cuido, não vou andar com alguém desleixado a meu lado", comenta a atriz Lavínia Vlasak, 27 anos.

Guto Seixas
O carioca Marcelo Dadoorian: Botox contra a aparência cansada

Outro aspecto fundamental percebido pelos homens diz respeito ao mercado de trabalho. Em um ambiente cada vez mais competitivo, a aparência passou a contar, e muito, para o sucesso profissional. É no primeiro encontro que se iniciam os contatos sociais e profissionais – daí sua importância. Quem pretende ser alguém sabe disso. No momento do cara-a-cara com um entrevistador, o que interessa não é só o seu conteúdo, por mais rico que seja. "É evidente que um cabelo bem penteado e um terno alinhado não garantem emprego a ninguém. Mas são importantes porque dificilmente existem duas chances de causar uma 'primeira boa impressão' em alguém", afirma o consultor Rodrigo Araújo, da empresa de recrutamento de executivos Korn/Ferry. O analista de sistemas Ricardo Pagotto, 31 anos, acredita que manter uma aparência agradável só o ajuda. Diariamente, ele usa pelo menos quatro cremes para o rosto e o corpo. Faz massagens capilares três vezes por semana e se prepara para enfrentar o bisturi. Vai fazer uma lipoaspiração no abdômen e na parte interna das coxas para se livrar de gordurinhas que as duas horas de malhação diária não conseguem queimar. "Faço tudo o que a ciência permite para ganhar alguns anos de vida. Assim como as mulheres se apropriaram de um espaço masculino, estamos reivindicando um direito que era considerado só delas", diz.


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